Elizabeth Dougherty
Elizabeth Dougherty
“Filho, você precisa aproveitar a vida porque não vai viver muito tempo,” disse o médico a Chris Stiehl de dez anos de idade. Era 1961 e Stiehl tinha acabado de ser diagnosticado com diabetes tipo 1. “Naquela época,” diz ele, “os prognósticos não eram muito bons e os tratamentos também não eram tão bons.”
Stiehl e outras pessoas com este tipo de diabetes, muitos deles diagnosticados quando criança, têm dificuldade para manter níveis normais de glicose no sangue. Para sobreviver, eles dependem de injeções de insulina, um hormônio que elimina a glicose do sangue para que ela possa ser usada como energia.
Sem o controle rigoroso dos níveis de glicose no sangue, os pacientes com diabetes apresentam risco cardíaco e de dano arterial, o que pode encurtar suas vidas. Stiehl — marido, pai e engenheiro aposentado — é uma das poucas pessoas nos Estados Unidos que sobreviveu por mais de 50 anos com a doença. Mesmo com intervenções modernas, incluindo monitores contínuos da glicose, bombas de insulina e uso de insulina de ação rápida e prolongada, os altos e baixos nos níveis de glicose do sangue ainda atormentam os pacientes.
O diabetes tipo 1 ocorre quando o sistema imunológico de uma pessoa ataca e deteriora por engano as células do pâncreas, chamadas células beta. São essas células que secretam insulina e permitem que o corpo regule os níveis de glicose no sangue. Com poucas células beta, os pacientes com diabetes tipo 1 precisam de outros recursos para controlar essa função.
Hoje, no entanto, um grupo de pesquisadores da Novartis encontrou uma maneira de obter a regeneração das células beta humanas, um recurso que muitos haviam descartado por considerarem ser impossível. O trabalho, publicado na Internet na Nature Communications, ainda está em seus estágios iniciais, mas as descobertas sugerem que um medicamento oral para tratar o diabetes na sua origem, restaurando as células beta danificadas poderia potencialmente estar dentro do alcance.
“Essas são as primeiras moléculas que demonstraram estimular a proliferação de células beta humanas,” diz Richard Insel, diretor científico da Fundação de Pesquisa no Diabetes Juvenil (JDRF), que contribuiu com financiamento para a iniciativa. “Houve muitas barreiras e recomeços ao longo do caminho, mas esta equipe realmente abriu novas possibilidades.”
O regime diário de Chris Stiehl é de alguma forma típico para um paciente com diabetes tipo 1. Ele injeta insulina de ação rápida a cada refeição e controla seus níveis de glicose durante o dia todo usando um monitor contínuo de glicose e a bomba de insulina. Porém, cada dia é diferente e, algumas vezes, ele apresenta hipoglicemia (devido a muita insulina) ou hiperglicemia (devido a pouca insulina). Recentemente, quando estava dando uma aula na Universidade da Califórnia, em San Diego, o alarme do monitor de glicose de Stiehl disparou, indicando que seu nível de glicose no sangue estava baixo. Ele fez um teste digital e estava na zona de perigo. Então, teve que beber suco de maçã com urgência para aumentar rapidamente o seu nível de glicose no sangue, mas era tarde. Ele desmaiou.
“Depois disso, só lembro-me dos paramédicos de pé em cima de mim,” diz ele.
A ideia de regenerar células beta não é nova. De fato, muitos esforços foram bem-sucedidos em camundongos. Uma vez ou outra, as moléculas que funcionaram em roedores não tiveram efeito em células humanas.
“As pessoas acreditaram que era impossível,” diz Bryan Laffitte, Diretor de Descoberta em Farmacologia do Instituto de Genômica da Novartis Research Foundation (GNF), na Califórnia.
Mas parte da pesquisa sugeria o contrário. Por exemplo, as células beta humanas se dividem durante a infância. Também, de acordo com os estudos de autópsia, alguns adultos com diabetes tipo 1 mostraram sinais de regeneração de células beta. “É raro, mas essa evidência nos deu um pouco de esperança,” diz Laffitte.
Assim, a equipe de Laffitte utilizou a melhor tecnologia que tinham disponível para o problema. Eles desenvolveram uma maneira altamente sensível de detectar a divisão de células beta em cultura, para que nada escapasse de sua observação. A seguir, eles testaram dois milhões de moléculas para ver qual delas causaria a divisão das células beta. Eles encontraram diversas, e rapidamente analisaram algumas que funcionaram em células beta de camundongo e de seres humanos.
Testes adicionais demostraram que as células regeneradas eram também funcionais, ou seja, capazes de secretar insulina em resposta à glicose. O teste mais revelador envolveu a administração de moléculas em camundongos portadores do modelo do diabetes tipo 1 de seres humanos. Após duas semanas da administração das moléculas, os camundongos mostraram melhora na sua capacidade de controlar seus próprios níveis de glicose no sangue.
“De fato, observamos grandes melhoras,” diz Laffitte. “Está na faixa que não temos dúvida.”
Exames subsequentes nos camundongos demostraram que o medicamento dobrou a quantidade de células beta. “Quando vimos isso, ficamos convencidos de que havíamos encontrado algo relevante,” diz Laffitte.
Para a equipe de Laffitte, aquele sinal de sucesso foi o início de uma nova fase. Esforços na pesquisa geralmente passam de uma equipe para outra, à medida que progridem. Mas na organização de Laffitte, na Novartis, uma equipe principal conduz o esforço de descoberta farmacológica do início até o fim. Esta abordagem baseada em excelência tem origem na ideia de que leva um determinado investimento em uma meta, obtida através do estágio inicial de falha e sucesso, para a consolidação através de uma longa jornada até a conclusão.
“A maioria das coisas que tentamos falha. Não é divertido,” diz Laffitte. “Você tem que realmente acreditar no que está fazendo para lutar por aquilo.”
Sua equipe está trabalhando atualmente para entender exatamente como as moléculas estão estimulando a replicação de células beta. A meta é encontrar um composto que induza a regeneração de células beta, mas não leve à replicação de outras células.
“Estamos procurando uma molécula que transponha os obstáculos de segurança e ainda tenha todas as boas qualidades necessárias,” diz Laffitte. Muitas etapas estão por vir antes de uma molécula atingir os testes clínicos.
Para Stiehl, a perspectiva das terapias regenerativas de células beta representa uma esperança. Após quase 55 anos de vida com o diabetes tipo 1, ele está disposto a tentar novas possibilidade que facilitarem o controle da doença. “Eu deveria estar morto com 50 anos,” diz ele. “Agora tenho 65 anos. Vamos em frente.”
Elizabeth Dougherty
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