08/07 – Dia Nacional da Ciência [1]
A ciência possui um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade.
É graças ao trabalho excepcional de pesquisa que podemos identificar inúmeros avanços na sociedade, incluindo os desafios de saúde que vivemos hoje em dia. No entanto, mesmo com todas essas conquistas, ainda há muito espaço para reconhecimento quando falamos especificamente das mulheres na construção do saber científico.
Por isso, em comemoração ao Dia Nacional da Ciência e da pessoa pesquisadora, convidamos nossa Diretora de Assuntos Regulatórios, Patrícia Pígola, para contar um pouco de sua trajetória e quais os desafios enfrentados no dia a dia de uma mulher ativista na ciência e nos boards de grandes empresas.
Veja abaixo a entrevista completa e fique a vontade para compartilhar também em suas redes sociais com os botões ao final do texto.
Patrícia, de onde veio a inspiração iniciar sua carreira?
Lembro como se fosse hoje de escutar a seguinte pergunta: “Você quer comandar sua vida ou quer que alguém comande por você?” Em um primeiro ímpeto, você pode achar que a pergunta tenha vindo de uma mãe preocupada com o futuro da sua filha ou mesmo até do pai, mas a pergunta chegou por volta dos meus 10 anos de idade através do meu avô, um filho de italiano que após ser pai de dois filhos homens tinha seu primeiro neto do sexo feminino (neta na verdade...). Talvez ele tenha iniciado uma reflexão para revisão de conceitos muito bem estabelecidos na época sobre a condução e controle que a masculinidade exercia sobre a vida de uma mulher.
Creio que talvez ele não tivesse toda a dimensão do impacto dessas conversas sobre o futuro da minha vida no campo dos estudos e na carreira e expresso aqui toda a minha gratidão por ele ter tido essa vontade de rever seus conceitos e ter me auxiliado junto com meus pais nessa jornada de crescimento e conhecimento.
Voltando ao momento da conversa, vocês já devem ter imaginado que a minha resposta foi: “Óbvio que eu quero comandar a minha vida” e o conselho seguinte foi que eu deveria dedicar a minha vida aos estudos, ter uma profissão adequada, me planejar e organizar para atingir os objetivos e neste contexto minha infância, adolescência e início da vida adulta foram pautadas em muito estudo e trabalho, inclusive porque eu havia organizado esses planos com pessoas que eu amava muito e que me amavam.
Como você enxerga a oportunidade de representar as mulheres numa data tão importante?
Falar do universo feminino é estar inserida em algo mais amplo que si mesma. Apesar de termos personalidades determinantes e podermos seguir de forma independente, geralmente o raciocínio de uma mulher tende a contemplar o entorno, o impacto dos seus atos, sejam positivos ou negativos e como você fará a diferença na vida daquelas pessoas que estão juntas com você na sua jornada. Ainda não tenho a dimensão do impacto sobre essa forma de se portar do universo feminino e apesar de talvez algumas mulheres não concordarem com essa afirmação, acredito na existência de nossa competência em olhar para o todo e fazer com que as coisas aconteçam para nós e para aqueles que gostamos.
Podemos perceber que qualquer relato de vida de uma mulher, e até de qualquer ser humano, sempre está envolto com símbolos e contextos que tendem a influenciar em como você irá definir os passos em sua jornada de vida. E, no meu caso, não seria diferente.
Patrícia, quais foram os principais desafios de sua trajetória?
Com base em muito estudo e trabalho, e nas minhas oportunidades, tive uma carreira muito bem-sucedida e após duas faculdades em biomedicina e direito, rapidamente pude me tornar diretora de uma grande empresa do setor farmacêutico. E fui a primeira diretora do sexo feminino a fazer parte da referida diretoria. Sempre fui muito engajada nas questões feministas, acredito muito em equidade e que independentemente de gêneros todos devemos ter oportunidades iguais. Mas retornando um pouco às nossas dificuldades, como mulheres, posso dizer que, como tantas outras, passei por situações como ser a primeira diretora mulher em um “board” formado apenas por homens e que a minha assunção como diretora passou por discussões prévias entre os meus colegas de diretoria de como eles passariam a se portar tendo uma mulher na diretoria. Quando essa situação foi dividida comigo, eu fui solidária e até em um primeiro momento entendi que havia uma preocupação genuína sobre a inserção de um membro novo que diferia totalmente do padrão estabelecido até então e que a referida diversidade deveria ser considerada. Mas, sinceramente, aquele tipo de postura foi recebido por mim de forma muito questionável. Por que afinal estavam preocupados com isso? Quais são os assuntos extra pauta que eram discutidos entre os homens e que a presença de uma mulher seria uma barreira para discussão?
Como boa questionadora, óbvio que eu dividi todos esses questionamentos com o presidente e, argumentando, concluí: “Bobagem de vocês toda essa preocupação, estou muito confortável em participar do grupo, fiquem tranquilos...” No final, tudo deu certo e fui muito feliz fazendo parte daquela diretoria, mas alguns anos foram necessários para concluir que esse tipo de barreira, infelizmente, ainda existe e está pautada nas crenças que ainda lutamos fortemente para superar.
Patrícia, qual o seu conselho para mulheres que estão se deparando com essas mesmas decisões que você mencionou?
Quanto às decisões a serem tomadas, o que eu posso recomendar ou sugerir é que façam seus planejamentos e decidam. Somos seres sensíveis e intuitivos e com isso o momento a ser tomada a decisão está inserido no íntimo de cada mulher; e sendo decidido, essa mulher encontrará os melhores caminhos para inserir sua decisão em sua jornada profissional. Assim, por exemplo, se a vontade é ser mãe, planeje-se, organize sua vida, receba e inclua aquela criança que virá no contexto do seu dia a dia profissional.
Esses exemplos são planos inerentes a liderança de uma vida, e como líderes ou mesmo colaboradoras nos trabalhos que estamos inseridas, uma forma simples de seguirmos em frente e fazermos a diferença é nos posicionarmos de forma a viabilizar os resultados necessários e estabelecidos nos times que estamos inseridas. A definição de como faremos esse papel de forma efetiva e competente passa por conhecimento, reflexões e o mais importante: por decidir que tipo de mulher e profissional você deseja ser para você e para os times que liderará.
Para finalizar, como é a sua relação com o time que você lidera?
Tenho a felicidade de liderar várias mulheres hoje e tantas outras que já liderei no passado e como sou feliz de participar da vida delas, com suas diversidades de condutas e de visões, mas com um senso comum de acreditar em seus trabalhos e em seus planejamentos, de serem engajadas com seus propósitos e suas famílias. A cada nova profissional que eu encontro em minha carreira, recebo dela um novo conhecimento, uma força para persistir, uma inspiração de como me tornar melhor. Participei da construção de suas famílias, seus casamentos, as definições sobre o melhor momento para gravidez e nessa jornada posso afirmar que as diferenças são sempre poucas entre as angústias enfrentadas por essas mulheres.
Nessas situações sempre recebi questionamentos dessas minhas parceiras de como eu administrei essas situações e como eu administrava o dia a dia com minha família, as demandas com os filhos, marido, pais e outras pessoas ao redor.
Na verdade, nunca temos uma fórmula preparada, mas posso dividir que sempre houve o querer de viver tudo isso, tudo junto e misturado. O estresse sempre esteve presente, mas ele era compensado pelas conquistas dos meus filhos na escola, pelos momentos de felicidade durante viagens com eles e com amigos e por exemplo pela viagem de intercâmbio do meu filho e a possibilidade de ir buscá-lo na última semana de estudos e sendo que essa possibilidade se abriu devido a uma viagem a trabalho que tive que fazer e com isso eu pude ter o prazer de encontrar com meu filho e voltar para o Brasil junto com ele.
Há uma intersecção natural entre todas as escolhas sejam profissionais ou pessoais, a forma como você decide se colocar à disposição do seu trabalho ou da sua família e o reconhecimento de como esses dois mundos são importantes para o universo feminino.
AVISO IMPORTANTE:
Este material foi escrito com base no artigo "Você quer comandar sua vida ou quer que alguém a comande por você?”, disponível na Revista UpPharma, N.191 – Ano 44 – Maio/Junho 2021.